ONTEM

Um casarão lindo, que tanto freqüentei me chama ao seu encontro. Só iria na terça. Novas possibilidades das quais não sabia, deixei passar batido? Não faço nada ainda, depois.
 
Uma música meio sacra vem do saguão principal. Seria de alguma igreja da região? Sinagoga não é, e a igreja parece estar fechada. Entro no salão vazio com as luzes apagadas. Somente a luz da rua entra pelos vidros amarelados. Uma menina de olhos profundos e cabelos loiros, longos e despenteados de pé na escada.
 
“Vamos brincar?”
 
Não falo nada, só me aproximo. Ela não se move, nem mesmo seus olhos. Olha para um horizonte distante, mas fala comigo, eu sei! Ela insiste: “vamos brincar?” Desta vez mais agressiva. Estende seus braços em minha direção. Meu pulso começa a sangrar, misturando-se com o sangue dela.
 
Eu quero brincar com ela. Quero abraça-la. Não tenho reação. A música fica mais alta e minha cabeça dói. Estou assustado... Mas acho que vou junto.
 
Meu telefone toca, a luz acende. Não se passou um nem um minuto nesta longa agonia confusa. Volto os olhos para a menina, eu acho que a conheço, mas ela já não está mais lá. Mas a música ainda toca... Quem ainda reza em latim?
 
Acho que me entreguei, porque todos olhavam para mim curiosos. “Você está bem?”
 
Melhor nem responder.