Para mim, que não gosto de carnaval, fazer maratonas de filmes sempre foi uma boa forma de escapar do skindô skindô sem sentindo. Tradição só quebrada para ir visitar alguma exposição na Oca, no parque do Ibirapuera. Mas este ano, por jogatina da nova prefeitura, não houve nenhuma. Política à parte, este ano iria assistir a programação da TV Cultura, uma boa opção para esta época. Já me preparava para assistir a deliciosa chanchada nacional Carnaval Atlântida (1952) pela enésima vez, quando acabei me rendendo a locadora mesmo. Talvez ano que vez, quando a emissora voltar a reprisar o filme, eu mate a saudade de ver a rumbeira Maria Antonieta Pons (recentemente falecida) dançando com Oscarito.
Fazia tempos que não comentava um filme por aqui, mas acho que o filme que vi hoje vale a pena ser recomendado: Cold Mountain (Idem, 2003).
O filme se passa na Guerra de Secessão Americana (1861 – 1865), e como sempre torcemos para o lado errado. Esta guerra, a mais glamurizada nas telas, dividiu o país entre o norte e o sul, e nós sempre somos conduzidos a torcer pelo lado perdedor, o dos sulistas, desde o primeiro filme a abordar o tema, o clássico racista O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, 1915).
Com toda a empáfia, os aristocratas do sul comemoraram quando a guerra contra os Yankees foi declarada. Diziam que esta não duraria mais que um mês, durou quatro anos. Tudo para defender suas fazendas da abolição da escravatura, pregada pelo presidente Lincoln. Porém, uma guerra é feita com muito mais que tradição e arrogância aristocrática, e os ingênuos senhores de terra só entendiam mesmo era de lavouras de algodão. Enquanto os estados do norte, industrializados, possuíam fabrica de armas, canhões e todas as minas de carvão do país.
A Guerra destruiu fortunas, e uma geração inteira de jovens despreparados de boas famílias. Desesperados, os sulistas convocaram até suas crianças para lutarem, e depois seus escravos. Fato pouco coerente, pois não acredito que estes dedicariam tanto esforço para defenderem sua escravidão. Os negros do norte já eram libertos e assalariados, tendo muito mais motivo para lutarem por uma causa.
Voltando a Cold Mountain, e ao lado sulista, o filme mostra uma jovem de Charleston, Ada Monroe (Nicole Kidman), deslocada na interiorana Cold Mountain. Criada para ser uma dama de sala, e não uma dona de casa, a filha do reverendo (Donald Sutherland), chama a atenção de todos da cidade pelo seu jeito, beleza e sofisticação. Mas é o calado Inman (Jude Law) que chama a atenção da moça.
Apesar de se encontrarem poucas vezes, e se falarem menos, ambos se apaixonam um pelo outro. Mas logo vem a guerra. Poucas correspondências conseguem ser trocadas, e Inman é ferido em combate, defendendo bravamente um menino de sua cidade. O pai de Ada morre, e a jovem não tem a menor noção de como comandar uma fazenda, ainda mais porque alforriou seus escravos. As dificuldades começam a aumentar, e Ada esta a beira de enlouquecer, chegando a passar fome.
Como um bom plot de meio de filme, daqueles de gerar um reviravolta, surge na fazenda Ruby Thewes (Renée Zellweger). Moça criada no campo, “melhor que qualquer homem da cidade para o serviço, até porque só sobraram velhos e pilantras” para ajudar Ada. A fazenda volta ao rumo, e surge uma grande amizade entre elas. Inman também foge do hospital de guerra, para tentar reencontrar sua amada. Enquanto a cidade é comandada pelo inescrupuloso Teague (Ray Winstone).
O filme de Anthony Minghella, de O Paciente Inglês (The English Patient, 1996), lembra muito ...E O Vento Levou (Gone With the Wind, 1939). A mudança e persistência de Ada Monroe nos remete a uma menos afetada Scarlet O’Hara. A Fotografia não tem o esplendor to Techinicolor de Willian Cameron Menzies, mas também é lindíssima. Não é de duvidar que Minghella, cinéfilo assumido, tenha feito referências ao filme. Afinal ele sempre faz isso. Provavelmente o piano de Ada Monroe seja uma referência a outro filme, ao Os Canhões Rufam ao Amanhecer (Drums in the Deep South, 1951). Este pouco conhecido no Brasil, mas também sobre a guerra civil americana, dirigido pelo fotógrafo Cameron Menzies (de ...E O Vento Levou). Para um bom fã de cinema, Minghella é um prato cheio, cujos detalhes dos filmes você precisa ficar muito atento. Mais recente, a personagem de Jude Law lembra muito Richard Gere em Sommersby – O Retorno de Um Estranho (Sommersby, 1993), além de ter pitadas da nobreza de Ashley Wilkes, de ...E O Vento... Mais óbvio, porém, é o sobrenome da personagem de Nicole, ou alguém tem dúvida que seja para homenagear a Marilyn?
É claro que Jude Law tem muito mais talento que Mr. Gere. E merecia o Oscar que concorreu por este filme. Merecido mesmo foi o Oscar de atriz coadjuvante que Zellweger levou pra casa. Eu não gosto desta atriz, e dificilmente um filme dela me atrairia, mas sua atuação está impecável, e duvido que ela se supere. Nicole Kidman, belíssima (duh), já esteve melhor em outros filmes. Mas Nicole é como pizza, mesmo ruim ainda é muito boa. No elenco, os sempre ótimos Phillip Seymor Hoffman e Giovanni Ribisi, e uma irreconhecível Natalie Portman. Irreconhecível também está o galãzinho Charlie Hunnam (ainda pouco conhecido po aqui, famoso pela série Queer as Folk e protagonista do simpático O Herói da Família – Nicholas Nickleby, 2002), numa bela atuação, escondida em baixo de uma maquiagem grotesca. Também não posso deixar de destacar a presença do cantor Jack White (da banda White Stripes), que não decepciona em seu primeiro filme e demonstra talento para atuar (além de dar uma palinha cantando).
Bom, não gostei muito da critica que fiz, acho que já escrevi coisas melhores. Mas se eu não consegui te convencer a assistir este filme, me resta apelar dizendo que Nicole aparece nua (para delírio dos homens). Ah sim, Jude Law também, para alegria das mulheres.
Mas se aquela história de torcer para o lado errado da guerra te desanimou, vai um consolo. Os sulistas eram escravocratas sim, mas os Yankees não eram tão bonzinhos. Os interesses com a abolição não eram tão beneméritos, mas sim um desejo de aumentarem o mercado consumidor de suas indústrias com trabalhadores negros, ganhando salários para poderem comprar suas mercadorias fabricadas. Mas se o que te afeta mesmo é estar torcendo para o lado perdedor, sobra o consolo do relativismo, já que o líder dos abolicionistas, Abraham Lincoln, foi assassinado pelo ator sulista John Wilkes Booth. Eu te pergunto, quem venceu mesmo?
Outra pedida do carnaval foi O Retorno do Talentoso Ripley (Ripley’s Game, 2002). Mas deste eu não gostei. Acho John Malkovith um dos atores mais completos dos últimos tempos, mas lhe falta um pouco de classe para viver a personagem Tom Ripley, criada por Patrícia Highsmith (1921-1995).
Quem gostou de O Talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley, 1999), do mesmo Anthony Minghella, dificilmente gostará desta continuação (se é que pode ser considerada uma). Falta o charme do primeiro filme, e falta Jude Law. É difícil acreditar que aquele Ripley, do Malkovich, já foi um cara sedutor, como o vivido pelo Alain Delon no filme original, O Sol Por Testemunha (Plein Soleil, 1960), do diretor René Clement, reprisado pelo Canal 21 na semana passada. Até o Ripley de Dennis Hopper, do pouco comentado O Amigo Americano (Der Amerikanische Freund, 1977) é mais convincente. Mas também o filme é do Wim Wenders, e não de Liliana Cavani (quem?). E por favor, esqueçam a versão do Roger Spottiswoode.
Agora acabou! Ufa!!!
Escrito ao som de Sream, nova música de Billy Idol.O velho Billy de volta as boas origens do punk em seu novo CD Devil’s Playground, lançado no começo deste ano.
